Por Pe. Matias Soares, do clero da Arquidiocese de Natal, estudando em Roma
O Santo Padre, o Papa Francisco, anunciou, depois do consistório realizado no dia 20 de Abril de 2017, a Canonização dos protomártires do Brasil: "o sacerdote português Ambrósio Francisco Ferro e André Soveral, além do leigo Mateus Moreira e outros 27 companheiros, serão canonizados em 15 de outubro próximo pelo Papa Francisco, na Basílica de São Pedro. Os martírios tiveram lugar no Rio Grande do Norte, a 16 de julho de 1645, nas perseguições anticatólicas do século XVII, por tropas holandesas calvinistas e índios potiguares. Conhecidos como mártires de Cunhaú e Uruaçu foram beatificados no ano 2000. Eles estavam participando da missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, no município de Canguaretama (RN). Três meses depois, em 03 de outubro de 1645, houve o massacre de Uruaçú. Padre Ambrósio Francisco Ferro foi torturado e o camponês Mateus Moreira, morto” (Cf. ZENIT).
Esse acontecimento é importantíssimo para toda a Igreja do Brasil, conferido pelo princípio da sua catolicidade eclesial. Somos uma única Igreja e professamos uma única fé apostólica. Falar deste martírio a partir do Rio Grande do Norte, conferi-lhe uma valoração espacial, mas a sua temporalidade o coloca no pináculo da experiência cristã como mais um testemunho de amor à verdade, que é Jesus Cristo, o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13,8), para toda a Igreja, como aconteceu na trajetória da confirmação de tantos outros cristãos que consagraram sua vida a Deus, até o fim, por causa do seu amor a Jesus Cristo e à sua Igreja. A partir de algumas meditações pessoais, desejo trazer três elementos que me parecem relevantes para a atualização da mensagem do martírio para a nossa vida eclesial. São eles, a saber: a) testemunho de fé; b) profetismo; e c) amor à eucaristia.
O testemunho de fé: a palavra mártir (do grego: martiria) significa testemunha. Para o cristianismo, o mártir é sempre alguém que vive a radicalidade da fé; ou seja, oferece a sua vida a Deus pela confiança que tem na verdade revelada na pessoa de Jesus Cristo. Mais recentemente, com João Paulo II, a Igreja considerou a própria experiência ecumênica a partir do martírio de quaisquer cristãos, e agora mais enfaticamente com o Papa Francisco, em lugares de missão em que cristãos conjuntamente dão a vida pela fé em Jesus Cristo. É o chamado ecumenismo de sangue. Existe a centralidade da experiência da fé em Jesus Cristo. Não tem configuração ideológica, mas cristocêntrica e de autêntica mística cristã. A experiência martirial destes nossos irmãos, no passado e no presente, deve ser lida contextualmente. Ela está bem situada e precisa ser interpretada a partir de uma situação, como já foi posto na introdução e que é referencial para que, progressivamente, reafirmemos este testemunho. O que podemos ter de mensagem atual deste fato é que as comunidades verdadeiramente cristãs professam a fé num único Salvador e que, por isso, o respeito e o diálogo precisam fazer parte de todas as comunidades cristãs, tanto no Rio Grande do Norte e no Brasil, como em todos os lugares onde os cristãos estiverem vivendo e testemunhando a sua fé.
O profetismo: sem amor à verdade, não há profetismo. Este pensamento sempre deveria acompanhar a vida do cristão consciente da sua fé. A maioria dos primeiros cristãos tinha essa convicção. A Igreja no decorrer dos séculos, reconheceu o significado desta obstinação na composição da identidade de quem era realmente cristão. Não pretendo entrar nas individualidades, mas tentemos fazer a leitura da história da Igreja, tendo como referênciais os santos e os mártires. Podemos perceber que existe uma linha transversal que norteia e define as suas vidas: o amor ao Evangelho. Nele está contida a plenitude da Revelação de Deus. A Encarnação e a Páscoa de Jesus Cristo são a sua síntese, que dão sentido não só a sua história, como também à nossa história. Os mártires e santos encarnam essa profissão de fé. Fazem dela a sua vida. Por isso, vivem a palavra e morrem para testemunhar a sua adesão à vontade do Pai. O martírio, desta forma, torna-se a mais sublime proeza do discipulado e do seguimento de Jesus Cristo (Cf. Mc 8,34-35). Essa mensagem passa a ser profetismo porque, sem amor a essa verdade, não existe possibilidade de transformação da realidade. A experiência martirológica passa a ser pascal; ou seja, tudo o que é sinal de morte e injustiça torna-se meio de vida e justiça. A partir do amor a Deus e à sua verdade, todas as coisas precisam ser transformadas. Por causa do amor a Jesus Cristo, o testemunho do martírio faz ver que algo novo pode reluzir na história pessoal, na sociedade e na criação.
O amor à eucaristia: "louvado seja o santíssimo sacramento"! Esta exclamação demarcou o que eles preservavam no coração. O amor eucarístico é outra mensagem, sempre atual dos protomártires. A eucaristia faz a Igreja. Diante de seus algozes, os sacerdotes e demais fiéis, tanto em Cunhaú, como em Uruaçu, continuaram firmes na sua convicção da fé na eucaristia. Num Mundo que passa por uma profunda crise de fé, com sua desertificação espiritual, tanto dentro como fora da Igreja, onde a mistagogia sacramental precisa ser redescoberta, tendo como base a teologia dos santos Padres com suas catequeses, o testemunho destes mártires tem muito a nos ensinar. A eucaristia é o fundamento indispensável da fé da Igreja. É mistério da nossa fé. Não pode ser coisificada, nem usada instrumentalmente. Ela é forma particular e universal da vida da Igreja. A teologia pre-conciliar redescobriu com De Lubac e Pio XII essa atenção mistagógica que necessariamente precisa ser conferida à eucaristia, em continuidade com toda a tradição viva da Igreja. O Concilio Vaticano II reafirmou e novas reflexões magisteriais, com Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI foram desenvolvidas nesta linha. A beleza mistificadora e performativa da vida da Igreja precisa ser aprimorada cada vez mais, à luz da contemplação e aceitação incondicional do que é a eucaristia para a vida da Igreja e para cada um de nós.
Por fim, com a Canonização, como as comunidades cristãs, fiéis, paróquias, Arquidiocese, província eclesiástica do RN e Igreja do Brasil, podem aprofundar a mensagem dos protomártires para o fortalecimento da nossa caminhada eclesial e missionária? É muito importante que não nos esqueçamos de colocar este acontecimento dentro de situações, contextos eclesiais bem definidos para este momento; como também para o que esperamos num futuro. As potencialidades que surgirão com esta Canonização serão muitíssimas. Elas podem ser missionárias, ecumênicas, eclesiais, políticas, econômicas… Qual será a escolha que será feita? Como será elaborado o plano de ação para que os lugares dos martírios sejam, de fato e concretamente, lugares de evangelização e fortalecimento da fé do povo de Deus, na Igreja Particular de Natal, para o Brasil e para o Mundo? Permitam-me deixar, por fim, estas questões para que a mensagem dos protomártires do Brasil continue a ser atual e fiel à mensagem do Evangelho e da vida da Igreja. Assim o seja!
O Santo Padre, o Papa Francisco, anunciou, depois do consistório realizado no dia 20 de Abril de 2017, a Canonização dos protomártires do Brasil: "o sacerdote português Ambrósio Francisco Ferro e André Soveral, além do leigo Mateus Moreira e outros 27 companheiros, serão canonizados em 15 de outubro próximo pelo Papa Francisco, na Basílica de São Pedro. Os martírios tiveram lugar no Rio Grande do Norte, a 16 de julho de 1645, nas perseguições anticatólicas do século XVII, por tropas holandesas calvinistas e índios potiguares. Conhecidos como mártires de Cunhaú e Uruaçu foram beatificados no ano 2000. Eles estavam participando da missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, no município de Canguaretama (RN). Três meses depois, em 03 de outubro de 1645, houve o massacre de Uruaçú. Padre Ambrósio Francisco Ferro foi torturado e o camponês Mateus Moreira, morto” (Cf. ZENIT).
Esse acontecimento é importantíssimo para toda a Igreja do Brasil, conferido pelo princípio da sua catolicidade eclesial. Somos uma única Igreja e professamos uma única fé apostólica. Falar deste martírio a partir do Rio Grande do Norte, conferi-lhe uma valoração espacial, mas a sua temporalidade o coloca no pináculo da experiência cristã como mais um testemunho de amor à verdade, que é Jesus Cristo, o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13,8), para toda a Igreja, como aconteceu na trajetória da confirmação de tantos outros cristãos que consagraram sua vida a Deus, até o fim, por causa do seu amor a Jesus Cristo e à sua Igreja. A partir de algumas meditações pessoais, desejo trazer três elementos que me parecem relevantes para a atualização da mensagem do martírio para a nossa vida eclesial. São eles, a saber: a) testemunho de fé; b) profetismo; e c) amor à eucaristia.
O testemunho de fé: a palavra mártir (do grego: martiria) significa testemunha. Para o cristianismo, o mártir é sempre alguém que vive a radicalidade da fé; ou seja, oferece a sua vida a Deus pela confiança que tem na verdade revelada na pessoa de Jesus Cristo. Mais recentemente, com João Paulo II, a Igreja considerou a própria experiência ecumênica a partir do martírio de quaisquer cristãos, e agora mais enfaticamente com o Papa Francisco, em lugares de missão em que cristãos conjuntamente dão a vida pela fé em Jesus Cristo. É o chamado ecumenismo de sangue. Existe a centralidade da experiência da fé em Jesus Cristo. Não tem configuração ideológica, mas cristocêntrica e de autêntica mística cristã. A experiência martirial destes nossos irmãos, no passado e no presente, deve ser lida contextualmente. Ela está bem situada e precisa ser interpretada a partir de uma situação, como já foi posto na introdução e que é referencial para que, progressivamente, reafirmemos este testemunho. O que podemos ter de mensagem atual deste fato é que as comunidades verdadeiramente cristãs professam a fé num único Salvador e que, por isso, o respeito e o diálogo precisam fazer parte de todas as comunidades cristãs, tanto no Rio Grande do Norte e no Brasil, como em todos os lugares onde os cristãos estiverem vivendo e testemunhando a sua fé.
O profetismo: sem amor à verdade, não há profetismo. Este pensamento sempre deveria acompanhar a vida do cristão consciente da sua fé. A maioria dos primeiros cristãos tinha essa convicção. A Igreja no decorrer dos séculos, reconheceu o significado desta obstinação na composição da identidade de quem era realmente cristão. Não pretendo entrar nas individualidades, mas tentemos fazer a leitura da história da Igreja, tendo como referênciais os santos e os mártires. Podemos perceber que existe uma linha transversal que norteia e define as suas vidas: o amor ao Evangelho. Nele está contida a plenitude da Revelação de Deus. A Encarnação e a Páscoa de Jesus Cristo são a sua síntese, que dão sentido não só a sua história, como também à nossa história. Os mártires e santos encarnam essa profissão de fé. Fazem dela a sua vida. Por isso, vivem a palavra e morrem para testemunhar a sua adesão à vontade do Pai. O martírio, desta forma, torna-se a mais sublime proeza do discipulado e do seguimento de Jesus Cristo (Cf. Mc 8,34-35). Essa mensagem passa a ser profetismo porque, sem amor a essa verdade, não existe possibilidade de transformação da realidade. A experiência martirológica passa a ser pascal; ou seja, tudo o que é sinal de morte e injustiça torna-se meio de vida e justiça. A partir do amor a Deus e à sua verdade, todas as coisas precisam ser transformadas. Por causa do amor a Jesus Cristo, o testemunho do martírio faz ver que algo novo pode reluzir na história pessoal, na sociedade e na criação.
O amor à eucaristia: "louvado seja o santíssimo sacramento"! Esta exclamação demarcou o que eles preservavam no coração. O amor eucarístico é outra mensagem, sempre atual dos protomártires. A eucaristia faz a Igreja. Diante de seus algozes, os sacerdotes e demais fiéis, tanto em Cunhaú, como em Uruaçu, continuaram firmes na sua convicção da fé na eucaristia. Num Mundo que passa por uma profunda crise de fé, com sua desertificação espiritual, tanto dentro como fora da Igreja, onde a mistagogia sacramental precisa ser redescoberta, tendo como base a teologia dos santos Padres com suas catequeses, o testemunho destes mártires tem muito a nos ensinar. A eucaristia é o fundamento indispensável da fé da Igreja. É mistério da nossa fé. Não pode ser coisificada, nem usada instrumentalmente. Ela é forma particular e universal da vida da Igreja. A teologia pre-conciliar redescobriu com De Lubac e Pio XII essa atenção mistagógica que necessariamente precisa ser conferida à eucaristia, em continuidade com toda a tradição viva da Igreja. O Concilio Vaticano II reafirmou e novas reflexões magisteriais, com Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI foram desenvolvidas nesta linha. A beleza mistificadora e performativa da vida da Igreja precisa ser aprimorada cada vez mais, à luz da contemplação e aceitação incondicional do que é a eucaristia para a vida da Igreja e para cada um de nós.
Por fim, com a Canonização, como as comunidades cristãs, fiéis, paróquias, Arquidiocese, província eclesiástica do RN e Igreja do Brasil, podem aprofundar a mensagem dos protomártires para o fortalecimento da nossa caminhada eclesial e missionária? É muito importante que não nos esqueçamos de colocar este acontecimento dentro de situações, contextos eclesiais bem definidos para este momento; como também para o que esperamos num futuro. As potencialidades que surgirão com esta Canonização serão muitíssimas. Elas podem ser missionárias, ecumênicas, eclesiais, políticas, econômicas… Qual será a escolha que será feita? Como será elaborado o plano de ação para que os lugares dos martírios sejam, de fato e concretamente, lugares de evangelização e fortalecimento da fé do povo de Deus, na Igreja Particular de Natal, para o Brasil e para o Mundo? Permitam-me deixar, por fim, estas questões para que a mensagem dos protomártires do Brasil continue a ser atual e fiel à mensagem do Evangelho e da vida da Igreja. Assim o seja!
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